segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Os Namorados



Natália Correa
Portugal

Estranhos à terra, os namorados
O jardim os esconde do tempo
E pela alameda vão castos
Criando um puro sentimento.
Para um vago paraíso deslizam
Numa luz chilreante de beijos.
Riem-se da morte e em seu riso
Jorra o claro riso dos deuses
Figuras de uma indemne passagem
Entre os nossos letais desalentos,
Quem são esses vultos de aragem?
Ninguém sabe de que vida são feitos.
Que língua falam? Talvez os pássaros
Entendam seus sons estrangeiros.
Serão um sonho sob os álamos
Ou os únicos seres verdadeiros?
Onde vão? Misteriosos só param
Para ciciar dentro de um rainúnculo
Um segredo que as flores intactas
Repetem até o fim do mundo.




ENTRE A SOMBRA E A NOITE
Maria Alberta Menéres Melo e Castro

Entre a sombra e a noite há um submisso instante
de preparação
Aberto espaço onde as aves não cantam,
imaculado, instantâneo refúgio.
Entre a sombra e a noite, único passo!
- E é serena e frágil a presença
dos nossos vultos passageiros
isolados na própria condição.
Onde nada se move, uma estrela suspensa.
E tão inultilmente despedaço do encanto,
e tão súbita me vem uma tristeza antiga,
que entre a sombra e a noite encontro o meu refúgio
- o intocável, único espaço.





PASTOR
Nuno Júdice

Dantes a verdade
descia o monte nas palavras do pastor;
e nem só as ovelhas as ouviam. Lembro-
me desses montes: verdes
com a chuva da primavera, frios com o vento
de abril e luminosos com o sol do norte. Era
de manhã. Ainda as mulheres preparavam o
forno do pão - e já um ritmo obscuro
preparava o nascimento dos frutos, isto é,
o equívoco da foice nos instantes
da colheita.

As palavras dele eram assim. Um
movimento que percorria a superfície
dos arrozais, que enrugava o dorso
das dunas, que empurrava as gaivotas para
o estuário. No entanto, os velhos
compreendiam-no; e alguns simples, cujo
espírito se confundia com a transparência
da água, repetiam o que dizia num murmúrio
de raicho. Mas não era a esses que
se dirigia.

Evitou a ambiguidade, os sentidos
complexos da filosofia, o fundo negro
do poema. De facto, as suas histórias nunca
chegavam ao fim - como se não pudesse
terminá-las... ou não soubesse o que está depois
do que sabemos...

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